sábado, 6 de março de 2021

O encontro

 Ele ainda dominava todos os seus pensamentos.

Uma vida havia se passado desde a última vez em que tinham estado frente a frente. Empregos, amigos, namorados... um que virou marido, pai de seus filhos, e, recentemente,  ex-marido. Uma vida... 

Ainda assim, ele aparecia constantemente em seus pensamentos durante toda essa trajetória; invadia seus sonhos de tempos em tempos, aparecia como um ato falho em uma troca eventual de nomes. Ele esteve lá, guardado nos lugares obscuros de sua mente, encontrando, sempre que as barreiras se enfraqueciam, os caminhos para escapar para a superfície.

Até aquele dia.

O encontro, num primeiro momento, a tinha deixado em estado de choque. O coração bateu acelerado, retirando o sangue que circulava nas extremidades do seu corpo, deixando suas mãos geladas. Não conseguiu evitar o pensamento imediato de sair correndo com a velocidade que temos quando somos perseguidos por monstros em nossos pesadelos. Fugir, porém, estava fora de questão. Fora das regras sociais que a obrigavam a sorrir e falar com ele, ao invés de comportar-se como uma louca. Mas, se fugir fosse uma possibilidade, ela teria fugido?

Então, eles estavam agora sentados na mesa da cafeteria mais próxima conversando sobre suas vidas, enquanto ela percebia o poder que ele ainda exercia sobre ela. Falavam sobre amenidades, suas vidas, suas carreiras, suas famílias, mas não demorou muito para que a sondagem sobre seus estados civis se fizesse presente, trazendo a informação de que ambos estavam, no momento, livres. O que isso a fazia sentir?

A presença dele, ali, na sua frente, ainda exercia um efeito intenso. Seus olhos pareciam hipnotizados pelos lábios que falavam com ela, enquanto a conversa fluía corrente e fácil. Seu olhar ainda gerava calafrios que percorriam pela espinha, fazendo-a sentir-se como a menina que ele, um dia, havia conhecido. E ela prestava atenção em todas essas sensações que apareciam em seu corpo, em cada pensamento confuso que invadia sua mente, enquanto ele falava apaixonadamente sobre seu trabalho.

O tempo passou sem que nenhum dos dois se desse conta. Como se não houvesse quase 20 anos desde o termino daquele relacionamento que quase lhe tirou a vontade de viver e lhe exigiu um longo trabalho de reconstrução.

Então era hora da despedida. Eles caminharam até a porta enquanto seu coração se apertava como o de uma criança que reluta para abrir mão de seu cobertor preferido.

- "você quer ir pra algum outro lugar?.. Me dá seu telefone, pra gente se ver de novo..."

Os poucos segundos que se passaram, pareceram horas. Pensamentos acelerados passaram por sua cabeça, enquanto o coração disparava.

E então ela respirou profundamente, deu um beijo em seu rosto antes de olhar em seus olhos, dizer "tchau, Beto", virar-se e ir embora.

Em seu caminho, sorriu, com o coração levemente triste, mas em paz. Ele ainda dominava todos seus pensamentos, mas ela não era mais uma menina, era sua própria dona agora. E algumas histórias de amor pertencem aos recônditos das lembranças do passado. 

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